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Conciliar o mundo

Adriano Moreira
Presidente do Instituto de Altos Estudosda Academia das Ciências de Lisboa
Presidente do Conselho Geral da Universidade Técnica de Lisboa

25 de Fevereiro de 2013 / Hotel Tiara Park

Podemos, sem grande erro, considerar que o dia 11 de Setembro de 2001, que foi chamado Dia de Fogo, marca o início de uma época, e por isso de exigência de profunda meditação sobre os futuros possíveis da humanidade, e da casa comum que é a terra.

Foi a terça-feira em que o Presidente dos EUA, considerado até então como líder da superpotência invulnerável, recebeu a notícia, quando se dirigia para uma sala de aula da Emma E. Booker Elementary School, com o objectivo de discutir a reforma educativa, e ali veio a saber que o World Trade Center fora atingido por um avião, a que outro se seguiu, destruindo as Torres Gémeas, matando “quase três mil homens, mulheres e crianças inocentes”.

Tratando-se de um facto sem precedentes, por isso sem experiência aprendida a respeito de uma metodologia de prevenção e resposta, implicou que, além de pedir criatividade aos responsáveis do seu governo e forças armadas, o Presidente tenha celebrado um serviço na famosa National Cathederal, onde discursaram, e oraram, o Imã Muzammil Siddiqi da Sociedade Islâmica da América do Norte, o rabino Joshua Haberman, o pregador Billy Graham, o Cardeal Theodore Mc Carrick e Kirbyjon Caldwell.

No discurso final, o Presidente disse aos americanos e ao mundo: “Apenas três dias depois destes eventos, os americanos ainda não possuem a distância da história. Mas a nossa responsabilidade para com a história já se torna clara: reagir a estes ataques e livrar o mundo do mal… Os sinais de Deus nem sempre são aqueles que procuramos. Aprendemos na tragédia que os seus objectivos nem sempre são os nossos. Todavia, as preces de sofrimento privado, nos nossos lares ou nesta Catedral, são escutadas e compreendidas… Este mundo que ele criou é um mundo moral. A dor e a tragédia e o ódio são apenas temporários. A bondade, a recordação e o amor não têm fim. E o Senhor da vida ampara todos os que morrem, e todos os que choram”.

Passou uma década, e este apelo à transcendência, juntando as vozes de variadas maneiras de rezar com fé, a humildade de não ter projecto de política de Estado e pedir inspiração, não tiveram iluminação de resposta, não levaram à formulação e aceitação do paradigma comum que Kung indaga com devoção e esperança, nem o direito internacional, património imaterial comum da Humanidade, assumiu a natureza de directiva efectiva para a paz. Antes, como escreveu Emily Dickinson, “It was too late for Man, But early, yet, for god”.

Ao contrário da esperança de paz, parece ter ressuscitado a lenda do rabino Judah Loew de Praga, que teria criado um golem, para defender a comunidade judaica da cidade. Mas, contam Hardt e Negri, “a violência destrutiva do golem revela-se incontrolável. Ele efectivamente ataca os inimigos dos judeus, mas também começa a matar os próprios judeus indiscriminadamente, até que o rabino consegue reduzi-lo novamente a argila” (1).

O estado de guerra global em que nos encontramos, com variantes sem precedente, depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, mostra que o monstro não foi dominado, e sim que a primeira resposta, mais divulgada, foi a de Samuel Huntington, a começar com o seu estudo, sobre A Crise da Democracia (1975) que estaria a evoluir para um “destempero democrático”, mas sobretudo quando diagnosticou a guerra das áreas culturais (2). De facto estava altamente preocupado com o acesso das minorias ao poder, como mostra o seu livro de 2005 – Who are we? –, publicado antes da eleição de Obama, que finalmente proclamou – somos todos americanos.

Partindo deste conceito operacional, e vistas as formas inovadoras dos conflitos, desde a cibernética à destruição do sistema financeiro de países debilitados, não é difícil inverter a fórmula de Clausewitz para a conclusão de que a política é a condução da guerra por outros meios.

Estamos longe da prece de Nelson Mandela quando, ao receber o Prémio Nobel da Paz (10-12-1993), disse falar em nome dos “seres humanos incontáveis que, tanto dentro como fora do nosso país (África do Sul), tiveram a nobreza de espírito de se atravessar no caminho da tirania e da injustiça sem ambicionarem qualquer proveito próprio”.

O certo, todavia, é que o conceito operacional vigente parece o mesmo do império euromundista, da soberania ou hegemonia para além das fronteiras nacionais, tudo cabendo na fórmula da supremacia, que conduziu ao unilateralismo da regência republicana de Bush, ao combate não apenas entre as áreas culturais diferentes, mas também ao atrito entre o americanismo e o europeísmo, alegoricamente chamado entre Marte e Vénus, sem que a decadência ocidental tenha vindo ao pensamento do desaparecido Huntington.

A ideia de império parece uma tradução apropriada para o unilateralismo americano de então, com a associação ou domínio do complexo militar-industrial, com o apoio do sistema financeiro em liberdade, e com as convicções de que se trata da Nação indispensável, capaz de conduzir a guerra vitoriosa em duas frentes, cujo interesse nacional permanente é o guia das intervenções, cujos valores de democracia e liberdades acreditou que serão o futuro de um mundo finalmente aderente ao credo do mercado. Deste modo a guerra cirúrgica, isto é, em que a técnica permitiria que as baixas dos seus exércitos fossem nulas, deixando os velhos riscos de pisar o terreno aos aliados, associados, ou aos arregimentados das empresas nascidas da privatização da guerra, foi uma ilusão. Talvez o último livro de George Friedman, The Next 100 Years, seja a utopia que o ilustre “leading expert in geopolitical intelligence” deduz dessas premissas, examinando todos os acidentes sofridos no século XX, perspectivando a evolução da população mundial, das comunicações, das guerras das culturas, para finalmente anunciar uma guerra mundial para meados deste século, em que “The United Start Will emerge in unchallenged control of space, and therefore in control of the World’s oceans”, concluindo: “the outcome of the war will unequivocally affirm the position of the United States as the World’s leading international power”, iniciando “a golden decade” (3).

A infeliz evolução, depois da queda do Muro em 1989, veio mostrar que a resistência e a organização em redes, estruturam um adversário difícil de combater na guerra do fraco contra o forte, como o ataque às Torres Gémeas demonstrou. A rede, por definição transversal, sem necessariamente ter uma estrutura hierárquica, adoptando o terrorismo como método, desafia aquela revolução militar que apoiava na sofisticação técnica a vitória e a preservação das vidas dos seus soldados: o Vietname, as dificuldades da II guerra do Iraque, o impasse do Afeganistão, e sobretudo os 10 anos de caçada a Bin Laden, obrigam a meditar na conclusão de Hardt, segundo o qual “a forma em rede impõe-se a todas as facetas do poder, estritamente da perspectiva da eficácia do governo”.

Mas a resistência, antes de mais um estado de espírito, parece ganhar o primado na análise da conjuntura complexa de factores sociais, culturais, políticos, económicos, religiosos, de conhecimento ou desconhecimento dos outros.

Para sublinhar esta importância da resistência, recorde-se a rebelião dos devedores que, nos EUA, por 1786, se traduziu em que os fazendeiros endividados de Massachusetts organizaram uma melícia de 1500 homens, para evitarem a confiscação do seu gado e terras. Quando Jefferson respondeu de Paris à sua angustiada amiga Abigail Adams, que “o espírito de resistência ao governo, é tão valioso em certas ocasiões que desejo que ele seja sempre mantido vivo”, não estava a prever as guerras assimétricas, não avaliou a derrota de Napoleão na Península Ibérica, e não previu os desastres posteriores à guerra fria.

De facto, as solidariedades transnacionais, e os objectivos dos deserdados da fortuna, ou da liberdade política, ou dos direitos humanos, ou dos que guardam a memória da falta de segurança dos seus direitos, dão lugar ao conceito de multidão que Hardul e Negri utilizaram, não para referir as multidões demoníacas (“legião é o meu nome, porque somos muitos”), uma resposta de possuídos a Jesus, mas para referir a fé, mais que tendência, na linguagem de Michel Foucault, e que se traduz na existência de múltiplas redes, que desafiam os modelos militares soberanos ou imperiais, porque também de facto são militares sem qualquer legitimidade reconhecida pelo direito vigente, incluindo organizações de solidariedade contra o trafego das pessoas, contra a utilização das crianças na guerra, contra os governos despóticos, como está acontecendo no turbilhão do Mediterrâneo, ou a luta ainda mal iniciada para que a engenharia económica e financeira, que levou ao desastre actual, seja obrigada a reconhecer a ética, como doutrinou Amartya Sen. Uma nova rebelião dos devedores, agora em termos transnacionais, transculturais, legitimada e sustentada pela multidão atingida pelos efeitos de políticas em que não participou, e só conheceu pelos efeitos, pode aprofundar uma nova temática da polemologia, de perspectiva universal e fora dos quadros legais existentes, mas ultrapassados pelos factos dolorosos que lhe não reconhecem ainda a legitimidade. Daqui a crescente importância e urgência da temática que se traduz em reformular os métodos de conciliar o mundo, uma questão em que se destaca Boris Biancheri, mais esperançoso do que William Ospina, este último meditando sobre a afirmação de Paul Valery de que os dois perigos que ameaçaram o mundo são a ordem e a desordem. Esta meditação não é de um pessimista sem companhia, porque muitos foram os avanços da ciência e da técnica sem referência às humanidades, muita é a força dos complexos militares-industriais, severo o terrorismo que tem por método massacrar os inocentes, acabando ele por duvidar se não será “tarde para o homem” (4). De facto, reatando a narrativa da ascensão e queda das sociedades humanas, que Jared Diamond retomou (5), trata-se antes de trazer para a procura, para o debate, e para a intervenção, o ainda oculto paradigma global em cuja definição se afadiga Hans Kung, com a esperança de que foi pregador o Beato João Paulo II. No fundo reinventar uma diplomacia que não seja inspirada pela afirmação de que a política é a continuação da guerra por outros meios, mas sim pela convicção de que a paz, sempre sujeita aos desafios e riscos que o Presidente Willson claramente denunciou ao lutar pela SDN, deve ser o objecto do esforço convergente das áreas culturais que se encontram finalmente em liberdade, dos Estados, dos poderes atípicos, e da sociedade civil mundializada que os tempos de escombros que vivemos definem ao redor do globo, como a sociedade de todos os homens.

Parece de insistir sobre a necessidade de uma diplomacia consistente, apoiada em recursos suficientes, para enfrentar um mundo em mudança, em nome de um Estado que se deixou resvalar para a exiguidade ao somar os efeitos da crise mundial com as insuficiências internas de governo e administração. Não tem qualquer significado, no que toca às exigências, que os tratados internacionais se chamem de Lisboa, o que tem importância é que a voz de Lisboa esteja internacionalmente acolhida pelos tratados, e decisões, seja qual for o lugar onde sejam celebrados. Cabem neste conceito factos como a eleição portuguesa para a Presidência da Assembleia Geral das Nações Unidas, ou para o Conselho de Segurança, o que abona a tradição diplomática portuguesa, mas o mais importante, nesta data de início da nossa crise que vai afectar gerações, é que esse talento tenha à sua disposição um conceito estratégico nacional, o qual falta desde a derrocada do império euromundista. Isto quando a falta se torna mais evidente porque o risco ameaça aconselhar, pelo desânimo, o regresso ao dizer do Bispo de Silves quando, no fim da Dinastia de Aviz, e em face da submissão imposta pelos factos, declarou que “ao presente não lhe vejo mais remédio”. Levou tempo, mas encontrou-se e aplicou-se o remédio, de facto com uma intervenção diplomática notável, em que se distinguiu o próprio Padre Vieira. Quando o mundo se encontra em mudança acelerada, o confronto com essa circunstância, de modo a acompanha-la salvaguardando e fortalecendo o interesse e a dignidade da comunidade nacional, exige seguramente uma diplomacia reformulada e fortalecida apoiada em objectivos governamentais claros, e sobretudo inspirados não pelas ambições pessoais que nada interessam, nem pelos interesses partidários que perdem importância, mas sim pelo interesse permanente do Estado, de conteúdo variável em resposta á variação das épocas, mas sempre interesse permanente. Muitos países da área ocidental dão exemplo de compreenderem e praticarem esse conceito de interesse permanente de conteúdo variável, e por isso é tão frequente verificar que o trabalho continuado e seguro do aparelho diplomático é sublinhado internacionalmente pela frequência com que os Chefes de Estado se deslocam para dar solenidade e projecção aos acordos que vão sendo conseguidos, no interesse dos seus países, e no interesse geral da comunidade internacional. Isto acontece com evidência nas áreas mais especificamente políticas, em que os diplomatas que estão sediados no exterior, e até os seus ministros, inspiram as ideias que congregam outras sedes de poder, designadamente nas áreas económicas, científicas, ou político-militares. No que toca às janelas de liberdade que o país tem, a que só recentemente começaram a levar os responsáveis a avaliar publicamente a sua importância, como é o regresso ao mar, à terra semeada, e às solidariedades activas da CPLP, como muitas vezes a sociedade civil recomendou e até exigiu, a preservação do bom nome, da imagem, da respeitabilidade, das cooperações, são temas que exigem uma atenção empenhada na reformulação, fortalecimento, e modernização do aparelho diplomático, apoiado num conceito estratégico nacional de interesse permanente, e de conteúdo variável sempre que as circunstâncias o exijam, mas que por isso mesmo sobrevive às mudanças de governo ou de titulares dos cargos políticos, ou dos humores dos responsáveis. Para a situação portuguesa, aquilo que, por exemplo, Boris Biancheri chamou a necessidade de conciliar o mundo, tem, entre outras exigências, a de conciliar a Europa rica com a Europa pobre, fortalecendo a confiabilidade do projecto europeu, quer para cumprir obrigações assumidas, quer para recuperar das crises, quer para contribuir com imaginação criadora para a reorganização da governança mundial em paz. As divergências que ameaçam o processo europeu apenas tornam mais imperativo o esforço diplomático.

Dei este título à breve comunicação de hoje porque julgo ser esta a mais urgente função do conceito estratégico de um espaço, o Ocidente, que exerceu a hegemonia mundial longamente, e que nesta data está em situação que aconselha a reler Toynebee, quando conclui que os ocidentais são considerados como os maiores agressores históricos das áreas culturais que hoje finalmente falam livremente ao mundo, e que são vítimas de decadência como aconteceu a todas as civilizações que ele estudou.

Apenas para fins da exposição, referirei em separado os EUA, a Europa, e a relação em unidade ocidental.

Quanto aos EUA, talvez mereça a pena averiguar se a Revolução Francesa de 1789 lhes deve mais, do que a sua independência deve à França. Isto porque a guerra da América “tinha custado muito dinheiro à monarquia francesa”, de modo que o Reino estava em falência financeira, e foi a necessidade de o Rei ter de convocar os Estados Gerais para aumentar os impostos (17 de Junho de 1789), e o processo iniciado terminou com o fim da monarquia.

Mas o esforço que levou à independência dos EUA incluiu, no património da Humanidade, a Declaração de Filadélfia, que antecedeu a de França, e esse património é um elemento fundamental da identidade do Ocidente.

A série de conflitos que foram acompanhando o processo europeu, teve nos EUA uma réplica de engrandecimento, quer territorial, quer em população. Como dizem Barreau e Bigot:

“Os Estados Unidos beneficiaram durante o século todo duma imigração maciça: em sessenta anos, 20 milhões de europeus franquearam o Atlântico para se instalar lá. Essas pesadas deslocações de população tinham-se tornado possíveis, por à navegação à vela do século XVII, se suceder a navegação a vapor da Primeira Revolução Industrial, a qual despejou nas costas americanas milhares de imigrantes dispostos a refazer a vida. Muitos desses recém-chegados vinham da antiga pátria inglesa (em plena explosão demográfica), mas também da Irlanda (empobrecida pelo domínio protestante e assolado pela fome), da Alemanha (falou-se alemão muito tempo no Middle West) e da Escandinávia. Também se via chegar centenas de milhares de europeus do Sul (espanhóis, italianos, portugueses) e do Leste (polacos, russos, gregos).

Nasceu então um «mito americano», ilustrado pela estátua da Liberdade, obra esculpida por Bartholdi e oferecida pela França, que foi instalada perante Manhattan, em 1886.”

Nas relações com a Europa, à parte a guerra da independência, só merece ser mencionado a guerra com a Espanha, com expressão maior nas Filipinas, hoje independentes.

Nesta emigração inclui-se a portuguesa, que na costa ocidental tem um Cabrilho um símbolo, e na Nova Inglaterra incluiu, no tempo colonial, os notáveis cabo-verdianos.

Os EUA criaram, milagrosamente, um patriotismo que, nesta época de Obama tornou mais escutado o grito – Somos todos americanos – e deu ainda maior consistência ao facto de, até aos 14 anos, todo o americano prestar este Juramento de Fidelidade: “Juro fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à Republica, a qual representa uma Nação fiel a Deus, com justiça e liberdade para todos”.

Adotando como conceito estratégico nacional – o interesse permanente de conteúdo variável dos EUA, o destino manifesto, o big stich que tem em vista o continente americano, e o conceito de ser a nação indispensável; de facto tornou-se a potência dominante do século XX no que toca ao poder, no saber e no saber fazer na área da ciência, na audácia no que respeita ao empreendorismo, e finalmente inspirando o conceito da sociedade afluente, consumista, e até, no dizer de Marcuse, unidimensional, o que não diminui a qualidade da sua literatura, da arte, da musica, e da influência na criação de uma espécie de rede de novos costumes da sociedade civil transnacional.

Entretanto, e para usar a imagem criada por Popper, surgiram dois cisnes negros, que desafiaram a unidade da consciência ocidental; as duas guerras mundiais, a de 1914-1918 e a de 1939-1945, ambas guerras civis dos ocidentais.

Em ambas, os EUA, na primeira liderados por Wilson, na segunda liderados por Roosevelt, assumiram que se o Pacifico era um destino manifesto, o Atlântico não era uma retaguarda, mas sim o que podemos chamar um Lago Ocidental. A juventude americana veio, nas duas ocasiões, morrer na Europa, para combater contra a destruição da sua maneira de viver, e por vezes chamo a atenção para o facto de que nos cemitérios da Normandia estão os filhos das mães americanas, para que menos mães europeias tivessem de enfrentar o mesmo sofrimento.

Designadamente o Plano Marshall, e a NATO, impediram que a política de metades triunfasse: duas Europas, duas Alemanhas, duas cidades de Berlim, e, nas guerras marginais, dois Vietnames, duas Coreias.

Portugal, neste processo de mudança do mundo, foi levado pelos EUA, mas com a intervenção amenizadora da Inglaterra, que invocou a Aliança, a criar o estatuto, que não se repetirá na história, da neutralidade colaborante, envolvendo os Açores, os quais nesta data colocaram numa situação de danos colaterais que agravam severamente a crise financeira que sofreram.

Não foi acertada, julgamos, a ideia de Fukuyama do fim da história, foi imprudente o unilateralismo na presidência Bush, mas o facto mundial é que desapareceu a hierarquia das potências que o Conselho de Segurança da ONU acolheu, que a Carta e os Tratados são atingidos pela crise mundial, e que não é difícil aceitar que é urgente – conciliar o mundo – em face de duas ameaças fundamentais: a proliferação nuclear e a fome, quando a fronteira da pobreza passou para o norte do Mediterrâneo, que poderes emergentes – como a China – se mostram a caminho de juntarem o poder militar ao poder financeiro. Sem solidariedade assumida no Atlântico, em que os EUA têm não uma retaguarda, mas uma participação, a decadência do Ocidente não será facilmente detida. Sabemos que o Pacifico lhes é importante, mas o Atlântico faz parte da urgência. Somos todos ocidentais.

  1. In Michael Hardt e António Negri, Multidão, Guerra e democracia na era do Império, Record, Rio de Janeiro, 2005.
  2. Huntington, The clash of civilizations, Simon and Schuster, Nova York, 1996.
  3. George Friedman, The Next 100 Years, Anchor Books, Nova York, 2009.
  4. Boris Biancheri, Conciliar o Mundo, Martins Funher, São Paulo, 2005
    William Ospina, Es tarde para el hombre, Belacqeta, Barcelona, 2008.
  5. Jared Diamond, Colapso, Gradiva, Lisboa, 2008